Algumas pessoas o agridem, chamam-no palhaço, debocham de sua atitude. Em velozes carros, cortam-no, fecham-no, sadicamente o fazem perder o equilíbrio. No fundo, talvez invejem sua ousadia, sua liberdade. Outros desviam da rotina suas retinas automatizadas, em alegre espanto sorriem à passagem dele, lançam-lhe aceno cúmplice. Na verdade, enxergam em sua figura ímpar a possibilidade de uma vida menos sem graça. Crianças apontam em sua direção, brilho de circo nos olhinhos curiosos, querem puxar conversa. Felizes, descobrem que a magia da infância pode permanecer em alguns adultos. Em meio ao caos urbano, sua figura insólita revela que nem tudo é mentira na cidade grande.
E ele passa fellinianamente, entre o trânsito de pedestres desatentos e veículos selvagens, na contramão da velocidade e do desatino. Saltimbanco desta nova era, afugenta o já conhecido, ousa realizar sonhos, indiferente à mesmice, dirigindo seu monociclo rumo à faculdade onde leciona. Em frágil equilíbrio, poderia constituir uma metáfora concreta da situação de qualquer professor, esse malabarista.
Mas quer ser apenas ele, homem sério sem a sisudez dos chatos, rigoroso sem a rigidez dos medíocres, amante dos conhecimentos sem o pernosticismo dos falsos eruditos. Anarquicamente foge das estereotipias, das fórmulas, dos convencionalismos sociais. Inventa sua vida, cria seu espaço. Vive o prazer de ser um homo ludens, de existir como pessoa autêntica.
Ele se expõe, sem se importar com a reação do falso circo fora, dos palhaços sem fantasia e sem graça. Realiza seu espetáculo para si mesmo, desafia o lugar-comum. Personagem de Jacques Tati, por onde transita na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro deixa um rastro de lirismo e humor, de reflexão e pasmo. Seu monociclo é convite agradável para se passar por debaixo da lona e se cair na gargalhada.