O corpo da poesia

Descobrimento

Sua língua em minha boca
fala dialetos estranhos,
entoa o canto de ondinas.
Conta histórias de viagens,
de miragens nos desertos,
memórias de caminhadas
noutros corpos femininos.
Provo o novo, testo o gosto,
o sal do desconhecido.
Choro o susto do batismo.

Minha língua em sua boca
pergunta seu sobrenome,
endereço, identidade,
atestados de vacina e idoneidade.
Língua medrosa menina,
sondando no céu da boca
se alguma estrela cadente
pode atender meus pedidos,
procurando nos seus dentes
o que é de siso ou de riso.

E nossas línguas de fogo
se entendem, se confundem,
em baba, Babel, beleza,
brincando um antigo jogo,
comendo do mesmo fruto.
Nossas línguas diferentes
estudam novas palavras,
pesquisam outras sintaxes,
consultam, nos dicionários,
sentidos pro sem-sentido.

Nossos sentidos, libertos
do que seja errado ou certo,
singram mares de saliva
nunca dantes navegados.

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