É possível fazer da miséria poesia?

Sobre ele e sua arte, Jorge Amado afirmou: “Ganharia rios de dinheiro se fotografasse coisas fáceis, modas, alta sociedade, festas. Isto não lhe interessa. No seu programa de criação está o mundo lá embaixo, daqueles que trabalham, criam e não recebem o que deveriam da vida”.

Sebastião Salgado, brasileiro, pós-graduado em Economia, reconhecido internacionalmente como um dos maiores fotógrafos da atualidade, há anos desenvolve projetos de reflexão sobre o homem e suas condições de vida no planeta. Com apoio de jornais, instituições, empresas, registra a decomposição das famílias humanas em todo o mundo e o movimento das populações de refugiados, de imigrantes, de pessoas que abandonam o campo.

Enquanto a História oficial, em cores, apresenta os poderosos e vencedores, Salgado, em dramáticas e expressivas fotos em preto e branco, revela os excluídos, aqueles que, paradoxalmente, constroem o mundo longe dos flashes e refletores: trabalhadores rurais, mineradores, metalúrgicos… Flagra-os em sua rotina de sofrimento e falta de perspectiva.

Documenta as transformações por que passa o mundo: um número imenso de pessoas perde trabalho, setores industriais desaparecem em decorrência da modernização e da adaptação a outros meios de produção… Provoca debates sobre as contradições e injustiças sociais, as modificações nas relações de trabalho, as consequências de drásticas mudanças mundiais. Retrata a guerra, a fome e a destruição da célula familiar. Artista engajado, discute a sobrevivência da própria espécie humana.

Apesar dos temas dolorosos, enfoca deserdados sociais em momentos de profunda humanidade. Mostra o melhor deles, não as situações degradantes (“A beleza existe, tem que ser restituída”). Verdadeiras obras de arte, suas fotos mostram bela coreografia dos movimentos corporais dos trabalhadores, cenas épicas de grandes agrupamentos humanos. Tijolos, engrenagens, canos, campos arados desenham delicadas composições geométricas.

Salgado reverencia os anônimos responsáveis diretos pela produção (“O fotógrafo é um enviado da sociedade na qual vive para registrar o fenômeno da exploração do homem”). Pelo seu olhar, olham para nós milhões de excluídos de toda a humanidade, com firmeza e ternura, a sugerir reflexão e mudanças neste novo milênio.

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