“Muito mais / se encantou / pela cor lilás / prata na luz do amor” – Djavan
Bangu, 23 de dezembro de 1995. À soleira da entrada, um menino solícito indica a porta aberta da casa. Guri de subúrbio, preserva certas delicadezas. Sol de verão recebe as visitas no jardinzinho frontal. Sementes germinam silenciosas nos vasos. Brotos substituem as folhas secas, que viraram adubo generoso para as próximas floradas. Certamente haverá todo tipo de bichinhos entre plantas, em sua atividade quotidiana. Nessa Lilliput, sabe-se que a vida não para, não acaba.
Vizinhos vão chegando. Trazem afagos, todo sentimento. Visitam, ainda uma vez, o dono da casa. No ar permanece, suspenso, um samba de Martinho da Vila. O toca-fitas desligado não impede que continue a Música. Assim desejava o dono da casa.
Descansa ele no meio da sala, cercado de seus mais queridos referenciais, humano e maduro; antes terno, agora eterno. Teto, paredes e chão o reverenciam, sólidos. Argamassa, concreto e sonhos. A seu lado, a mulher continua no ofício de amar, desde sempre, para sempre. A brisa inicia uma prece e o dono da casa recebe a bênção. Está tudo certo – ele sabe. O quintal já preparara com antecedência dez orquídeas lilases. Maria colhe a oferenda e aninha as flores no peito do companheiro.
Hoje, na varanda, as samambaias choronas não chorarão. Noite adentro, hão de ficar escutando antigas conversas impregnadas no ar, histórias que remontam à construção da casa: amores, dores, alegrias, desapontos, apreensões, dúvidas, certezas, esperança… todos esses contos, que não morrem, escritos pelos homens.
E o quintal continuará desenhando orquídeas lilases…