Amor nos tempos das rugas

CENA 1: casal de velhos, gente humilde do Rio de Janeiro, faz amor numa casa de subúrbio. Clímax do lirismo, alta voltagem de poesia no telão do cinema. Na plateia, risos e deboche. 1977. O filme: o primoroso Chuvas de verão, de Carlos Diegues. CENA 2: casal de velhos, gente humilde de Cuba, se reencontra após anos de afastamento e tenta recuperar um amor de juventude. O relacionamento só não se concretiza pela morte da mulher. Mas fica no ar uma mensagem otimista: a resistência do amor às rugas, à flacidez, ao cansaço. Na plateia, respeitoso silêncio. 1996. O filme: a obra-prima Guantanamera, de Tomas Gutierrez Alea e Juan Carlos Tabío.

Dezenove anos separam a exibição das duas películas. O comportamento das plateias revela significativa mudança na forma como a sociedade vem encarando a questão da sexualidade na velhice. Embora ainda persistam atitudes preconceituosas, visões cristalizadas sobre o assunto, já existem pessoas capazes de entender que sexo não se restringe à necessidade de reprodução, não se confina em corpos bem modelados pela idade e por academias, não se limita a padrões preestabelecidos de desempenho. Como atividade humana, requer “engenho e arte”, em geral frutos da experiência e do amadurecimento.

Com os avanços da medicina, melhorou a qualidade de vida. Vovós e vovôs tornaram-se pessoas dinâmicas: gozam de mais saúde, buscam lazer, dedicam-se a esportes, mantêm acesa a chama intelectual, exigem prazer. A menopausa não representa mais um pesadelo a ser vivido pelas mulheres na vergonha e no silêncio. Vasta literatura tem derrubado tabus, mostrando ser viável a felicidade após os quarenta anos. Para milhões de telespectadores as novelas apresentam galãs e símbolos sexuais femininos já na faixa dos sessenta. A ficção televisiva revela mudanças detectadas na sociedade: casamento desfeito em idade avançada já não significa o fim da vida, mas começo de nova fase com maior possibilidade de compreensão e acerto.

Em O amor nos tempos do cólera, Gabriel García Márquez faz a apologia de uma paixão que perdura até a velhice: “… tinham vivido juntos o suficiente para perceber que o amor era o amor em qualquer tempo e em qualquer parte, mas tanto mais denso ficava quanto mais perto da morte.” No filme Don Juan de Marco (direção de Jeremy Leven), um casal descobre o revigoramento da paixão pela criatividade, antídoto eficaz contra o tédio num casamento tornado morno pela desatenção, pela rotina e pelo passar do tempo.

Narrativas sobre o amor na maturidade mostram-nos as rugas como registros das histórias individuais impressas nas peles. Em lugar de apagadas por cirurgias plásticas ou rejeitadas pela compulsão ao novo, podem ser amadas por todos aqueles que estejam disponíveis ao afeto e libertos de preconceitos. Enfim, por pessoas que amam para além da superfície.

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