A música no país dos “alfagamabetizados”

Os desmandos de grande parte da classe política, o insucesso de sucessivos planos econômicos, o consequente agravamento dos problemas sociais no campo e na cidade, as crônicas mazelas que corroem o organismo brasileiro, tudo contribui para baixar a autoestima de nosso povo. A descrença em nossa capacidade de construir uma verdadeira Nação abre espaço à dominação estrangeira, principalmente no âmbito cultural.

Apesar de tudo, resistimos, tal a criatividade do nosso povo. A música popular de qualidade não só luta contra a invasão de manifestações estrangeiras medíocres, impostas pelo rádio e pela televisão, como conquista respeito no exterior. Cantores e compositores das mais diversas tendências ampliam seu público em países tão longínquos e diferentes artisticamente como o Japão, onde se pesquisam o samba mais autêntico e o chorinho.

Dentro do Brasil, a música tem-se configurado um caminho para a reintegração social de camadas marginalizadas. Na Bahia, grupos musicais ligados a comunidades carentes organizam-se em busca de afirmação cultural e de solução para seus problemas. Carlinhos Brown mostra para o mundo a possibilidade de dar a volta por cima da exclusão social. “Alfagamabetizando” todos os ritmos e sintaxes, conquista “Europa, França e Bahia”. Na Paraíba, de forma lúcida, Chico César nos revela a “cigana analfabeta lendo a mão de Paulo Freire”. Novos talentos surgem, também, em Pernambuco. Absorvem, antropofagicamente, influências da música pop internacional e as integram às raízes regionais mais puras.

Tradição e inovação alimentam-se mutuamente. Arnaldo Antunes, numa mistura contemporânea de várias linguagens (música, vídeo, literatura, expressão corporal), reacende a chama da poesia concreta, ao mesmo tempo que leva ao conhecimento da juventude inspiradas releituras de clássicos (Augusto dos Anjos, Lupicínio Rodrigues, Nelson Cavaquinho…).

A música popular brasileira de bom nível desmonta preconceitos, reforça nossas tradições, aponta novos caminhos. Cumpre, inclusive, o papel (muitas vezes relegado pela escola) de estimular o gosto pela boa poesia. Resgata nossa autoestima, nos redime.

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