No princípio era o Verbo. Também no meio e no fim: a palavra, sempre. Ave, palavra, como queria João Guimarães Rosa. Sem margens, como anseia Manoel de Barros. Em seu uso social, racional, informativo; em seu uso individual, criativo, libertário.
Ele, o grande mestre, soube como ninguém o valor da palavra. Doou-se a ela em uma vida dedicada ao magistério de Língua Portuguesa no Colégio Pedro II e no Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Eternizou-se em obras fundamentais para todos que desejam aprimorar-se no conhecimento do idioma. Othon M. Garcia (1912-2002) nos deixou saudade, mas também a obra, as referências básicas para quem continua sua tarefa de ensinar o amor à palavra.
Comunicação em prosa moderna, editada em 1967 (Fundação Getúlio Vargas), já com dezenas de reedições, é obra clara, lúcida, densa, inovadora desde o seu lançamento, precursora de tendências linguísticas modernas, sempre relida e redescoberta. Capítulos como os dedicados ao estudo do parágrafo, dos conectivos e do vocabulário constituem instrumentos fundamentais de compreensão do texto como tecido, estrutura coerente e coesa.
Também a análise estilística mereceu sua atenção. Carlos Drummond de Andrade, Gonçalves Dias, Augusto Meyer, João Cabral de Melo Neto, Cecília Meireles e Raul Bopp tiveram poemas iluminados por sua arguta sensibilidade crítica, como se pode observar nos artigos escritos entre 1955 e 1978 e publicados na coletânea Esfinge clara e outros enigmas (Topbooks). Neles, professor Othon mostrou os bastidores do texto, revelou os processos de criação e os recursos expressivos, decifrou a poesia para o leitor, sem corromper, no entanto, seu imanente mistério.
Em 1997, revelou seu lado poeta. Humilde, declarou em Farsilira (Editora Sette Letras) que o leitor ali encontrará apenas versos (“…se você quer poesia, leia ou releia Fernando Pessoa ou Cecília Meireles…”). No livro, todo em redondilhas (cerca de seis mil!), aflora o humor do “escrevinhador circense”, a sátira e o lirismo.
Ponto alto desse último trabalho, “O enterro da cigarra” representa criativa incursão pelo universo da poesia japonesa. Nele, o narrador (um papagaio haicaísta) relata, de forma lírica e filosófica, a morte de uma cigarra, por meio de haicais rimados e encadeados. A narrativa assim se inicia: “Vai morrendo a tarde…/ A cigarra solta um ai, / desfalece e cai.”
O mestre empobreceu nossa tarde com sua partida. Cigarra que foi, perpetuou o canto (as palavras) em suas obras. Fazendo eco a seus haicais, cantaríamos: Rompendo as amarras/ do Tempo, segue a cigarra/ pelo firmamento… Porque, querido professor, No céu das cigarras,/ escrevem-se sábias fábulas / de verão eterno.