Minha mãe faz poesia no papel e eu não sabia!
Só sabia o sabor dos versos transformados em moquecas caprichadas, capixabas, no urucum, com direito a torta de banana e ingresso direto no céu.
Conhecia seus cuidados de rimas no brinco da casa sempre limpa, mamãe-menina grande arrumando a casinha de bonecas.
Mãe-poeta no ato de ser mãe, que toda mãe inventa no ventre um novo ritmo a cada filho novo.
E vou batendo na máquina batidas de coração de minha mãe, que a gente se acostuma a ver nela só mãe e pitos e cuidados e carinhos e roupa lavada e “tá na hora da escola” e, no entanto, sonha os mesmos sonhos da gente, sonhos de gente: saudades, amores, tristezas, ilusões.
Quem foi minha mãe menina em Madalena? Que tombos levou? Que joelhos ralados? Que manhas e ralhos da mãe dela? Que bonecas de pano? Que brinquedos no coreto, maçãs roubadas, medo de sacis e cochichos com amiguinhas?
Quem foi minha mãe mocinha? O primeiro sangue, o primeiro susto, o primeiro beijo, o primeiro engano e o desejo? Quantas lágrimas chorou a minha mãe pela perda da sua? Quantos cafés da manhã de madrugada pro seu pai e tanto galo cantando e tanto frio?
Quem foi minha mãe com meu pai, seus segredos, seus encantos, seus prantos, as idas e vindas do amor, os desencantos, os reencontros, esse vaivém de todo homem e mulher, esse ir e vir da vida?
Com que sonha minha mãe, em que pensa, o que chora na fronha, o que deseja escondido, o que guarda em gavetas, o que odeia, o que lhe falta, quanta coisa deixada pra trás, tanta gente querida a maria-fumaça levou e não volta mais? Que faz minha mãe com seus fantasmas? Que sonhos novinhos vai parindo mamãe a cada dia?
E vou descobrindo que mamãe é a mulher que sou e suas dores são as minhas, as mesmas rimas, as mesmas cismas, os mesmos versos, iguais reveses da vida, e vamos escrevendo a mesma poesia: mamãe, eu, a minha filha…