A arte constitui o espaço por excelência de expressão de situações em que o ser humano aparece confrontado consigo mesmo e com o mundo, testado em seus limites. Personagens e os próprios artistas experimentam extremos de vida e morte, tangenciam fronteiras de desenfreadas paixões, enrodilham-se nos redemoinhos de encruzilhadas, encaram tentações.
Muitas obras apresentam pessoas em momentos de força ou fragilidade extremas, corpo em carne viva exposto, alma despida. Desde as tragédias gregas antigas até as letras de rap e rock contemporâneos, o homem se depara com forças antagônicas do destino, da sociedade, da natureza ou do próprio psiquismo.
Algumas obras apresentam situações dramáticas no âmbito político-social: o livro Vidas secas, de Graciliano Ramos; a pintura Guernica, de Pablo Picasso; o filme A escolha de Sofia, de Alan J. Pakula; a peça teatral O pagador de promessas, de Dias Gomes, entre outras.
No campo existencial, João Guimarães Rosa imortalizou o “momento crítico” em A hora e a vez de Augusto Matraga. O último filme mudo brasileiro, Limite, de Mário Peixoto, expôs o estado de espírito de um homem e duas mulheres num barco à deriva. Graciliano Ramos apertou o nó na garganta do personagem-narrador em Angústia. Para além da tela do quadro, continua a ecoar O grito, de Edvard Munch.
Quando flagra o instante do dilaceramento, aquela fração de segundo em que uma revolução interior ou exterior se instala, a hora da virada de mesa, a própria linguagem pode ser atingida em sua essência, reinventada, para dar conta de traduzir o intraduzível, nomear o inominável – procedimento frequente em Guimarães Rosa, a exemplo de Meu tio, o iauaretê.
Essa categoria de arte não encobre; revela. Lanceta tumores. Leva o fruidor a, também ele, navegar nas águas daquela “terceira margem” rosiana e compreender, de maneira contundente e bela, os deslimites de sua própria humanidade.