Manoel de Barros, em O livro das ignorãças, define: “Poesia é voar fora da asa”. Em Arranjos para assobio, ensina: “Não tem margens a palavra”. Esses versos (se assim podem ser chamados, tão avessos que são a conceitos preestabelecidos) encerram a noção fundamental de que, em arte, é preciso desarrumar padrões, reverter expectativas, ultrapassar limites, ir além das fronteiras do convencional. Ou ainda, segundo o formalista russo V. Chklovski, é necessário produzir um efeito de estranhamento, por meio de um discurso tortuoso, que liberte do automatismo a percepção. Com esse procedimento, o poeta pantaneiro restabelece, também nos leitores, uma virgindade do olhar (“Quero enxergar as coisas sem feitio”).
Para tanto, dribla a arbitrariedade linguística, na medida em que subverte estruturas sintáticas (“Uma ave me aprende para inútil”); estabelece relações semânticas inusitadas (“No meu morrer tem uma dor de árvore”); contraria categorias lógicas (“Ontem choveu no futuro”); busca os “deslimites da palavra” (“Gostava de desnomear”); exercita, enfim, a “agramática” ( “Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável”). Como poucos, sabe “errar bem seu idioma”, inventa línguas (“Conversava em Guató, em Português e em Pássaro”).
Poeta da natureza e da palavra, da natureza da palavra, faz poesia-janela, debruçada para os espaços de dentro e os de fora. Ler seus poemas (ou “incorporá-los”, como ele propõe) leva-nos a romper com uma visão de mundo estreita, que circunscreve realidade/arte dentro das grades do entendimento unicamente regido pela razão. Voar na sua poesia nos torna mais flexíveis, mais aves.