A revista americana Newsweek de 16 de março de 1998, na seção Periscope, traz, entre pequenas notícias do mundo, uma particularmente inquietante: a proibição de beijo em plataforma de estação de trem na cidade de Warrington, norte da Inglaterra. As autoridades locais alegam que essa manifestação de carinho prejudica o trânsito de passageiros e provoca o atraso das pessoas que residem distante. À guisa de contribuição, receberam cartazes com o símbolo “No smooching”, doados pela cidade americana de Deerfield, onde a proibição de beijos nas estações vigora desde 1970.
Possuir um eficiente sistema de transportes constitui ainda um sonho, longe de tornar-se realidade cá nestes “tristes trópicos” abandonados à incompetência de tantos desgovernos. Quando em viagens ao exterior, despertam-nos admiração e inveja as pequeninas, mas importantes, provas de conquista de cidadania, a exemplo do cumprimento rigoroso dos horários dos trens, meio de transporte dos mais racionais, que nunca foi bem explorado em nosso território. Sem dúvida louváveis esses triunfos de civilização dos povos do Norte.
Organização, no entanto, não pode tornar-se sinônimo de desumanização. Não se deve confundir rigor com rigidez. Afinal, como já disse Charles Chaplin, somos homens, não máquinas. Impossível estabelecer escalas, cronogramas e limitações para os sentimentos. Na verdade, nada justifica o cerceamento de manifestações de carinho nesta vida atual tão carente delas. O que ainda salva e sustenta esse mundo de tantos desencontros políticos, de tantos desencantos ideológicos, de tantas fragilidades econômicas, de tantas incompreensões de linguagem é o amor.
Felizmente, não há Babel no afeto, a língua de beijar é universal. Segundo o Dicionário de símbolos (Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Editora José Olympio), “o beijo simboliza união, adesão de espírito para espírito. Por isso, o órgão corporal do beijo é a boca, ponto de saída e fonte do sopro”. Lavamos nossa alma violentada pelas agressões urbanas com os beijos dos casais nas telenovelas – alienação consentida dentro do quotidiano machucado. Saímos leves do filme Cinema Paradiso (direção de Giuseppe Tornatore) pelo final lírico, em que o protagonista resgata pedacinhos censurados de filme e com eles monta uma colagem fantástica de marcantes beijos da cinematografia mundial.
A jovem que fui escreveu os seguintes versos: A língua de saliva sente / o inconstante, o instinto, o instante. / A língua de palavra mente. A senhora que sou ainda acredita neles.