Perfiladas no Jardim Botânico, atendendo disciplinadamente às ordens severas do Tempo, duas aleias de mangueiras. Frente a frente, se entreolham, perplexas: anotam diferenças impressas nos corpos vegetais de mesma espécie, comparam detalhes, textura de pele, calibre de veias, cicatrizes nas cascas… Aguçando olhos, penetram intimidades, vasculham vísceras, calculam rigidez dos nódulos, cotejam vitalidade das seivas.
A aleia das jovens tem pressa em crescer. Instável, rascunha uma paisagem mutável a cada dia.
A aleia das velhas aparenta intimidade com a arte. Com suas vozes roucas, as mangueiras idosas evocam Chico Buarque: “Não se afobe não, que nada é pra já…” Extrovertidas, as novinhas expandem-se,
em estardalhaço estendem braços, do vento parceiras de dança. As vovós, introspectivas, aprofundam-se na terra, sabedoras do inexorável retorno ao grande útero.
Tanto se miram, tão pouco se entendem! Raras mangueiras antigas reconhecem, em suas memórias centenárias, traços das jovens, arquivados, incontestavelmente históricos. Poucas mangueiras moças vislumbram, ali em frente, o esboço de seus destinos de rugas e parasitas, mas também de maior oferta de sombra que exigência de luz.
Em cada aleia, modelos perfeitos das que exercem mal ou bem os seus ofícios. Entre as novas, uma aborta brotos; outra desenha, com capricho, folhas novas a cada dia. No meio das anciãs, as mais sábias têm a ciência de envelhecer bonito.
Jovens ou velhas, todas obedecem ao mais antigo rito.