O corpo da poesia

Mutações

Quantas memórias passeiam no seu rosto?
De mãos dadas, o gozo e o desgosto
caminham no rastro de histórias
não se sabe mais quais as vividas, quais as sonhadas.

Quantos casos de amor fracassados?
Saliva e esperma regando o musgo úmido de muros escuros,
noites à deriva, ganidos à lua,
o peito estalando de afetos desfeitos…

A vegetação antiga se transmuta de broto em folhas cinzas.
Engrossa o tronco.
Os veios saltam ávidos ainda de gula
por seios túrgidos de seiva.

As montanhas fingem manter sempre a mesma linha.
Mas penetra o olho fundo:
uma mudança intestina se realiza em segredo
a cada segundo,
camadas de terra espreguiçam seus contornos em surdina.

Tanto de vida – divina ou humana? –
faz a água desse mar deixar de ser paisagem.
Mexe o caldo borbulhante de moluscos e medusas.
O universo inteiro fervilha nos corais.
O que parece forma pura é coisa viva.

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